“Os olhos de Bernardo queimaram”.
Esta era a linha que mais perturbava o bispo Damião. Vira Bernardo crescer, acompanhou seus estudos rumo ao ministério de perto e amava-o como um pai amava um filho. Leu a carta novamente, as palavras apertaram seu coração. “Ele ficou cego”.
Mesmo detestando viajar, o bispo de rosto marcado dispôs-se a quase um dia inteiro sacolejando numa carroça aberta, alcançando seu destino no final da tarde. Santana limitava-se a uma ou duas ruas de casas escassas e um mínimo de comércio. Muitos habitantes da vila viviam, na realidade, em fazendas próximas.
A carroça parou diante da diminuta igreja, onde uma beata idosa varria a entrada. A senhora apressou-se em beijar a mão do bispo e pedir uma benção. Foi ainda mais rápida em despejar uma enxurrada de boatos a respeito de Bernardo e daquela mulher, acusando-os de terem recebido uma punição divina.
Sem perder tempo, Damião bateu na porta do quarto simples no interior da igreja, deparando-se com Bernardo acamado. À exceção da faixa sobre os olhos e do aspecto abatido, seu corpo não mostrava sinais de mácula.
Como o fogo teria queimado apenas os olhos?
— Não precisava ter feito essa viagem, senhor — disse Bernardo.
— Como sabe que sou eu?
— Ouvi sua voz. Perder a visão aguçou meus outros sentidos.
— Me dói vê-lo nessas condições. Quando tiver disposição, quero saber a verdade sobre o que aconteceu. Não imagina as histórias absurdas que ouvi.
— A melhor hora é agora, porque suspeito que ela virá por mim hoje à noite. Mas saiba que a verdade vai soar mais absurda que os boatos e é por essa razão que peço que escute sem interromper…