Confesso que fiquei em dúvida se deveria, ou não fazer uma resenha desse livro. É muito mais comum encontrar análises de obras recentes, que o público ainda não conhece bem. Resenhas de clássicos são mais raras, especialmente quando se trata de um Dostoiévski, autor cujo nome é próprio gênero. Mas a medida que minha leitura avançava foi ficando cada vez mais claro que sim, essa obra pedia uma análise mais detalhada, pois tem muito a oferecer.
A Aldeia de Stepántchikovo e Seus Habitantes é uma obra de 1859, escrita na chamada primeira fase de Dostoiévski (para se der uma idéia, Crime & Castigo e Os Irmãos Karamazov são da segunda fase do autor) e não se trata de mais um grande drama, e sim de uma comédia. Minha versão desse livro é a publicada recentemente pela editora 34, e conta com um acabamento muito bom: boa tradução, ilustrações e várias notas de rodapé que ajudam a entender certas questões culturais. Uma curiosidade: a versão da editora Nova Alexandria apresenta o nome da aldeia ligeiramente diferente: Stiepántchikov, não tenho certeza da razão dessa diferença, mas acredito que seja apenas uma nuance de tradução.
A história começa quando o jovem Sergei Aleksandrovich recebe uma carta de seu tio, Iegor Ilich convidando-o para visitar sua fazenda em Stepánchikovo. A carta é desconexa e fala de forma confusa sobre um certo desespero e sobre uma proposta de casamento para o rapaz. Chegando à casa do tio, Serguei se depara com uma casa ocupada, não apenas por seus parentes, como também por um batalhão de agregados. Tipos excêntricos dominados pela ambição e pela mesquinharia.
Embora muito do que se passa na casa pareça surreal a primeira vista (lembrem-se de que é uma comédia), ao mesmo tempo as figuras com as quais nos deparamos nos soam muito familiares em suas paixões, seus desejos e, principalmente, em seus defeitos. Vale notar que Iegor Ilich, talvez o único personagem totalmente integro e de boa índole é um fraco, tornado-se um servo em sua própria casa.
Mas sem dúvida, o personagem que mais se destaca é Fomá Fomich. Antes um bufão, ele agora vive de favor na casa de Iegor, onde, por meio de discursos inflamados, convenceu a todos de que é um erudito sem igual e que apenas através de seus conselhos poderão se tornar pessoas melhores, quando na verdade, ele próprio, Fomá é vaidoso e prepotente ao extremo, um verdadeiro tirano que não perde uma chance de humilhar aqueles à sua volta. Porém, como é um falastrão de primeira, sempre consegue justificar suas atitudes e virar as opiniões a seu favor.
Como se trata de um livro escrito no século 19, a linguagem é rebuscada. Outro obstáculo que os leitores podem encontrar são os nomes russos, que para nós, brasileiros, soam exóticos e de difícil pronúncia. O livro foi originalmente pensado como uma peça de teatro, mas depois foi convertido para o formato de romance. Mesmo assim, o DNA teatral se faz sentir: toda a história se passa em um espaço curto de tempo, e os diálogos e monólogos dão o ritmo da narrativa.
A Aldeia de Stepanchikovo e Seus Habitantes não é recomendado como primeira leitura de algum novo leitor, sendo mais aconselhado para quem já tem o hábito desenvolvido. Trata-se de uma leitura divertida, que nem de longe é tão pesada quanto o nome de Dostoiévski possa sugerir.
FICHA TÉCNICA
A ALDEIA DE STEPANCHIKOVO E SEUS HABITANTES
Autor: Fiodor Dostoiévski
Ano de publicação: 1859
Numéro de páginas/editora: 352 (editora 34); 340 (Nova Alexandria, 2010); 249 (Nova Alexandria, 2001)